domingo, 12 de setembro de 2010

Nosso Lar

O que você achou do filme? Perguntaram-me, inúmeras vezes, parentes e amigos, quando souberam que eu fui ao cinema para ver “Nosso Lar”, estreado no dia 3 de setembro deste ano. Quatro dias depois lá estava eu, acompanhado por familiares, para assisti-lo “quentinho”, “saído do forno”.

Ao chegarmos à bilheteria surpreendi-me com o tamanho da fila, serpenteada e a perder de vista. Mas chegamos, felizmente, após andarmos e esperarmos muito, à sala de exibição. Fui logo rumando para o fundo, lugar mais alto e mais distante da tela, onde costumo freqüentar.

As pessoas foram, aos poucos, chegando e, antes mesmo de tomarem seus assentos, trataram de pegar seus “pacotinhos” de pipoca, cerca de 30 cm x 20 cm (imensos), coca ou guaraná de litro, bombons, balas e outras guloseimas. Pensei comigo como seria possível ingerir tamanha dose de guloseimas em um pouco menos de duas horas.

Vá lá, pois lembrei que o estômago recebe grande feixe terminais nervosos e nada melhor do que usar um verdadeiro festival de fast food para controlar a sua paciência de permanecerem sentados e quietos, durante o tempo em que a sala permanece escura.

Mesmo assim posso acrescentar, para esse episódio, que, ao sairmos, o carpete continha uma nova camada, formada por restos de pipocas, papéis de balas e bombons, tampas de garrafa e líquidos derramados. Fatalmente as faxineiras, depois de sairmos, iriam ter hora extra para devolver a sala a seu aspecto original. E, diga-se de passagem, após muito trabalho.

Um verdadeiro paradoxo para quem vai a uma sessão de cinema para travar contato com uma obra essencialmente focada na vida espiritual e, portanto, buscando o sentido mais elevado da dimensão humana.

O filme começa e me vem a primeira surpresa: o som é bom, puro, nada tem a ver com grande parte das películas rodadas no Brasil, pois contou com a participação do badalado norte-americano Phillip Glass, aliado ao trabalho de fotografia do suíço Ueli Steiger (o mesmo de 10.000 AC). Mas não me surpreendi com a qualidade dos efeitos visuais, supervisionados por Geoff D. E. Scott (o mesmo de Como Cães e Gatos 2: A Vingança de Kitty Galore, que também estreou concomitantemente), desenvolvidos no Canadá pela Intelligent Creatures (empresa que atou também em Babel e Watchmen – O Filme).

Li que mais de 350 imagens de Nosso Lar têm algum tipo de inserção gerada em computadores, quantidade nunca feita antes numa produção brasileira, mas entendi que, mais para servir de pano de fundo para ilustrar o eixo da obra, do que para fazer apologia à tecnologia e aos efeitos especiais hollywoodianos, tão comuns naquela academia.

A direção e o roteiro são de Wagner de Assis e, no elenco, inúmeros artistas globais, para alicerçar uma obra cinematográfica brasileira tratada como superprodução: Renato Prieto ( André Luiz), Othon Bastos, Ana Rosa, Paulo Goulart, Werner Schünemann, Fernando Alves Pinto, Rodrigo dos Santos, Inez Viana, Rosanne Mulholland, Clemente Viscaíno, Lu Grimaldi, Selma Egrei, Nicola Siri, Helena Varvaki, Cesar Cardadeiro, Lisa Fávero, Ana Beatriz Corrêa e Chica Xavier.

Todo esse cuidado é para fazer o espectador conseguir visualizar a narrativa do livro homônimo Nosso Lar, que está em sua 60° edição no Brasil, onde vendeu cerca de dois milhões de exemplares. Já foi traduzido para o inglês, alemão, francês, espanhol, esperanto, russo, japonês, tcheco, braile, grego e é um dos campeões de venda da literatura espírita. O filme utiliza uma linguagem simples e direta, buscando um conteúdo didático que, às vezes, assume um tom catequizador ou doutrinário. O Espiritismo tem servido de palco para a cinematografia mais recente, entre eles os filmes Bezerra de Menezes, Chico Xavier, assim como nas telenovelas, como acontece com a trama “Escrito nas Estrelas” da Rede Globo. Sempre atraindo um público expressivo, interessado nas temáticas que abordam.

Fico pensando no que estariam buscando essas pessoas, que ví passarem por mim, naquela sala de espetáculos, carregando em suas mãos um verdadeiro coquetel gastronômico. Certamente que não seria pura diversão. Em razão disso me arrisco a dizer que boa parte deles tenha ido assistir ao filme levada pela dúvida se há alguma forma de vida após a morte. E, se há, qual seria ela?

O ser humano ainda é ávido em querer obter provas cabais, de que a vida não termina após o último suspiro.

Pode parecer ironia, mas ninguém até hoje conseguiu retornar da morte para contar suas experiências, E, assim, cada ser humano tem que encontrar por si a sua verdade sobre o que nos acontece no pós-morte. A doutrina espírita busca dar ao leigo um sentido transcendente para a existência, de que não há morte, mas apenas a continuidade da vida para além do contexto biológico.

Nosso Lar vai ao encontro dessa busca. Escrita por André Luiz após a sua morte, a obra foi psicografada por Chico Xavier, contendo relatos e desenhos sobre uma cidade, descrita por ele, no ano de 1944, onde viveu após deixar a sua vida terrena. Pouco se sabe sobre André Luiz nesta vida. Apenas que foi médico sanitarista, no início do último século, tendo exercido sua profissão na cidade do Rio de Janeiro. E, provavelmente, esse também não era seu nome de batismo, mas um nome adotado por ele para buscar enviar notícias além-túmulo, por compreender as limitações humanas frente ao fenômeno da existência. Dos seus apontamentos sabe-se que era homem reconhecido em sua profissão, porém austero e distante de sua família.

Em seus relatos conta que, ao deixar este corpo, foi parar no que ele denomina de umbral, uma espécie de corredor que separa dois mundos, onde encontrou-se consigo, revivendo intensamente todas as suas limitações humanas, situação que lhes trouxe muita dor e, ao final, desespero, onde nada mais lhes restava, senão as súplicas para abandonar aquela experiência, revelada por sua consciência. Até que seres mais iluminados lhe retiraram daquela situação e o conduziram a uma enfermaria, onde passou a ser tratado para revigorar-se. Em seguida foi conduzido a conhecer a cidade, uma urbe à frente de seu tempo, onde a tecnologia, a arquitetura e o modus de vida estavam a um passo a frente da cidade onde morara nesta vida.

Depois de um tempo em convívio com sua nova cidade, recebe autorização para visitar os lugares onde viveu, encontrando seus filhos já adultos e sua esposa casada em segundo matrimônio. O marido, já doente, era tratado por ela em extrema consideração, atenção e amor. André Luiz se revolta por não ser lembrado, nem estar fazendo falta a seus queridos familiares, que deixara na terra, sendo novamente conduzido ao umbral para rever suas paixões, dentro de uma rápida passagem por aquela condição.

Assim consegue dar-se conta de seu egoísmo, e, na mesma condição, retorna ao convívio de sua antiga família, onde participa da cura daquele enfermo, dá a benção a eles e retorna novamente para a cidade onde vive. Enquanto lá esteve, foi somente reconhecido pela empregada e pelo cachorro da casa. Ele deixa sua antiga residência com a certeza de que o mundo em que vivera já não lhe pertencia mais. E que, durante o tempo em que estivera ali, praticara inúmeros deslizes, fruto de sua concepção egocêntrica e da busca de poder e ascendência sobre aqueles que estavam a sua volta.

É marcante o episódio que registra a sua chegada àquela cidade atemporal, onde lhe exortam a necessidade de realizar algum trabalho útil aos demais, para viver entre os habitantes daquela urbe. Ele escolhe o trabalho de assistência aos recém chegados. Colocado numa espécie de enfermaria, como aprendiz, vai logo dizendo: “não se preocupe, eu sou médico, e sei como tratar esses casos”.

Ele estava acostumado a adotar uma postura tecnocrática, onde seus conhecimentos médicos o destinge de seus pacientes e onde conserva uma visão estritamente orgânica da constituição humana. E logo se dá conta de que, tudo o que aprendera em sua estada na vida terrena nada lhe valia agora. Tudo era energia e, para atuar ali, dentro de sua nova função, teria que se fazer banhar pela luz do amor, a fim de transmitir a seus novos “pacientes” a ajuda necessária às suas adaptações aquela forma de vida.

O ingresso naquela cidade se fazia através de um enorme portal, por onde os recém chegados tinham de passar, simbolizando o despojamento das limitações mundanas inferiores, para ascender em espírito de solidariedade, fraternidade e universalidade da comunhão entre pessoas. Isso é, deixar os interesses pessoais para passar a viver da comunhão e do espírito fraterno entre seus semelhantes. Situação vetada aos mais egoístas que devem permanecer no umbral, revendo suas falhas, a sua falta de humanidade, até ampliarem a sua consciência e adquirirem a condição de elevarem-se até um plano evolutivo compatível com a sua situação, como era o caso de André Luiz.

Ele diz, em uma de suas obras psicografadas: "Quero trabalhar e conhecer a satisfação dos cooperadores anônimos da felicidade alheia. Procurarei a prodigiosa luz da fraternidade através do serviço às criaturas, olvidando o próprio nome que deixo para trás por amor a Deus e a elas. Revisto-me transitoriamente de outra personagem para melhor ensinar e amparar. Sou André”.

O que o aproxima de seu público leitor é o fato de ter sido, enquanto viveu nesta forma de vida, um homem comum, igual à maioria dos que lhe foi contemporânea, que soube encontrar paz, conforto e elevação em seu trajeto evolutivo. Segundo suas próprias palavras, habitara a terra, conseguira títulos universitários sem maior sacrifício, tivera os vícios recorrentes da juventude, conseguira casar e dar estabilidade à sua família, mas experimentara a noção do tempo perdido, gozando os bens, sem avaliar o legado de seus pais, amando sua esposa e seus filhos de forma egoísta, deliciando-se do jubilo familiar mas esquecendo-se da enorme família humana e alheio aos deveres de fraternidade.

Já em Nosso Lar, encontra sua mãe e comporta-se de forma infantil, olha com desdém a uma mulher, antiga paciente, por buscar fidelidade egocêntrica a sua antiga esposa, privando-se do convívio dos demais e isolando-se, para não perder as características de sua personalidade, mantendo apego à sua arrogância e orgulho. Com as sucessivas reflexões, consegue sair de sua concha, auxiliar a jovem Elisa, em sua infelicidade, ajudando, nas enfermarias, já não mais como profissional tecnocrático, mas como irmão fraterno e solidário. E, com isso, consegue se integrar ao ambiente harmonioso e elevado, que sua nova vida passou a lhe proporcionar.

Mais ainda: perfeitamente consciente das ilusões que ele mesmo criara, ao longo de sua trajetória, percebe que, na vida terrena, encontrara o tédio, dera curso a seu temperamento agitado, e, ao dar graças às novas experiências, aprende dar valor ao serviço dedicado aos semelhantes, surgindo, daí, André Luz, um ser humano inspirado no amor, no amparo, na elevação da vida.

Direcionada ao público espírita, Nosso Lar encontra no leigo a devida acolhida, por traduzir os anseios mais elevados do ser humano. Enquanto, nas plateias, saboreia guloseimas pode refletir sobre as perguntas existenciais que mais lhe preocupam. Isso me faz lembrar, certa vez, de uma passagem que tive junto a um asceta da renúncia, quando lhe perguntei: Senhor, como se morre? E ele respondeu, em sua santa simplicidade: “morre-se como se vive”. Por certo que a vida é curta, a curiosidade é enorme, em conhecer o que há do outro lado. O filme leva à reflexão e suscita a pergunta: “como eu estou vivendo? Sou feliz? Tenho em mim um sentido mais universal? Minha vida está valendo a pena?” Afinal, a vida é transformação e sempre é possível mudar de rumo. Como dizia Chico Xavier: 'Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo... qualquer um pode recomeçar para fazer um novo fim...”

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Zezinho e a Santa

Sua estatura era baixa. Também era franzino, mesmo quando atingira a vida adulta, e de pouca fala. Mas era considerado um bom trabalhador. Quando pegava na enxada fazia a diferença, roçando o dia todo, até que surgissem os primeiros fios de ouro do luar do nordeste. Era um homem simples, saído do povo. Mas conhecia as primeiras letras, desenhava seu nome e, na maioria das vezes, pouco entendia dos textos apresentados por sua professora de primeiro grau.

Fervoroso cristão, aos domingos punha a sua melhor roupa e lá ia ele ajudar o Vigário da Cidade em seu ofício de sacristão. Nunca falhava, nunca se atrasava, atendendo prontamente as orientações do Padre e, por isso mesmo, era querido e apreciado pelos homens da Igreja. E pelo povo da cidade que comparecia aos cultos após os sinos dobrarem.

A Vila era pacata. Poucos veículos nas ruas, que, quando chovia, se tornavam um imenso lodaçal. Mas eram repletas de jegues e bicicletas que circulavam para lá e para cá. Principalmente junto à Praça Central, onde não poderia faltar estátua de político, geralmente de coronéis que dominavam a região, e muitas moças circulando à espera de um futuro garantido através de um bom partido. De preferência bem aquinhoado. Nos dois sentidos. Ah! Poderia ou deveria ser trabalhador, afável, gentil e não mulherengo.

Mas esse era o grande defeito de nosso homem, que, por seu porte esguio, mas só na aparência, recebera a alcunha de “Zezinho”. Nosso coroinha tinha sempre um destino incerto, itinerante, e seu lar era mesmo todo o nordeste. Porque sempre chegava à próxima cidade fugido e, sem dificuldades, ia logo se sentindo à vontade, conquistando, com seu carisma, a admiração das beatas, a confiança dos Padres e a complacência dos fiéis.

E, depois de se tornar conhecido e bem-quisto, deixava mostrar a sua maior fraqueza: servir de consolo para viúvas e mulheres de caixeiros viajantes. À noite costumava visitá-las, para dar-lhes o ombro amigo, preenchendo-lhes todos os espaços vazios. Todos. Aquecia suas camas, cobria-lhes de carícias e, pela manha, antes do sol nascer, tomava uma meia xícara de café preto e saia furtivamente, assim como entrara na condição de visita noturno.

Não demorava muito e era descoberto por alguém que padecia de insônia ou por algum entregador de leite ou de jornal. – “Olha lá o Zezinho saindo da casa de dona Zica. Aquele safado!” E logo-logo já não havia mais um denunciante, mas um grupo raivoso de homens que, indignados pelo consolo que dava, punha-o a correr da rua e também da cidade, com a promessa de que, se voltasse, poderia ficar sem o seu consolo para atender senhoras necessitadas.

Era assim que o tal Zezinho rodava por toda a região. Mudava-se quando a sua maior fraqueza era descoberta: as mulheres. E também foi assim que mal tinha chegado àquela cidade e já arrumava um jeito de fazer o seu carisma abrir caminho. Mas, desta vez, fora descoberto em sua primeira incursão. Tratou logo de correr e, embora tomado pela surpresa, constatara a pouca margem de distância em relação a seus desafetos.– La vai ele, pega ele, pega ele!, diziam os mais exaltados. Tarado. Tarado. Demônio. Pecador.

E, agora, para onde ir? Só havia um lugar para onde correr, esse já familiar e de seus antigos hábitos: a sacristia da Igreja. E foi para lá que correu. Correu tanto, que superou até mesmo o limite de sua constituição franzina, que Deus lhe dera.

Ufa! Entrara apressado no saguão santificado, mal dando tempo de encostar o dedo indicador na água benta da pia e, já cambaleando, fez a flexão de joelhos para demonstrar respeito ao Todo Poderoso, embora ele mesmo não tivesse a mesma reverência com seus semelhantes.

- “Onde ele está?, gritavam. Onde ele foi se esconder? Diziam vozes vindas do lado de fora do prédio.

Mais do que ligeiro, procurou um lugar para se esconder, caso alguma alma incauta resolvesse inspecionar aquele local sagrado. Não havia nada, senão enfiar-se sob o manto da imagem da Santa, de estatura próxima à sua, em tamanho “natural”. E alí ficou ofegante, encolhido. Assustado. Porque dessa vez ele exagerara na medida, pois o alvo era a mulher do Doutor Prefeito, que viajara em comício, em busca de sua reeleição.

Passados alguns instantes, tudo serenou e seu coração passou a bater com menor freqüência, enquanto ele dizia: “Puxa, foi por pouco. Muito Pouco”. Lá permaneceu até cambalear a cabeça e a ressonar, em conseqüência do cansaço que tomava conta de seu franzino corpo.

Mesmo assim, acostumado aos revezes, que suas traquinagens lhe traziam, resolveu olhar pela fresta do tecido e viu duas mulheres ajoelhadas, com terços na mão, fazendo suas novenas. Estava preso ali, porque se fizesse um só movimento, poderia ver a sua moral arrancada de seu corpo, após lhe dar toda aquela fama de galanteador e seu jeito de atender as súplicas de mulheres solitárias.

O jeito era controlar-se, para não deixar o seu corpo enrijecido pelo medo, enxugar o suor de sua testa e.... esperar.

Só não contava que o grupo caçador percorrera a Vila, nada encontrando, voltando para o átrio da Igreja. E todos, sem saber de seu paradeiro, entraram na Igreja para pedir ao Senhor que os auxiliassem em sua busca a encontrar aquele safado farçante.

A tudo, escondido junto à Santa, Zezinho assistia. E, agora? O que fazer? Enquanto as rezas seguiam, ele, novamente ficara fora de si, começando a falar alto e fino, enquanto o povo calava-se para ouvir aquela voz. Até que um fiel exclamou: “ Olha, a Santa fala!” Milagre. Milagre. E não demorou muito para que a Igreja lotasse. Todos queriam ouvir a Santa falar.

Zezinho gostou da experiência e, quanto mais se exaltava, mais soltava o verbo. Até que se surpreendeu dizendo frases inteiras que não eram de sua autoria. Como poderia isso estar acontecendo? Olhou para a imagem da Santa e ela permanecia ali, imóvel. Enquanto isso suas palavras fluíam através de sua boca, sem que ele quisesse ou pensasse naquilo que pronunciava.

Mais incrédulo do que os próprios fiéis, que ali estavam, compreendeu que o milagre estava acontecendo. Não era testemunha. O milagre estava dentro dele. Por ter vivido a experiência de Coroinha, entendeu que dentro de si morava o pecado e também a redenção. Mesmo sem rezar ou buscar elevar a sua fé, tudo fluía como uma luz que atravessava o seu corpo e se expandia ao tempo em que permanecia como o mais impuro dos fiéis, escondido por trás do manto que guardava a imagem de uma Santa.

Aos poucos, foram todos para suas casas. Os fiéis, contagiados por palavras que lhe falaram ao coração, lhes trouxeram a certeza de terem assistido algo maior do que eles mesmos, maior do que suas próprias vidas, ainda que sem saber que o fenômeno se processara através da impura alma de Zezinho. E, esse, por sua vez, ainda estupefato, aguardara um pouco mais para sair sorrateiramente de mais uma Igreja, de mais uma cidade.

Mas, dessa vez, tendo aumentado a sua experiência de vida, levando a certeza de que, com o Sagrado, não se brinca. E a dúvida de que talvez não fosse ele mesmo santo o suficiente para consolar jovens mulheres solitárias.

Foi quando lhe veio à cabeça o mesmo conselho, lhe repassado por vários padres por onde passava: "Meu filho, viva sob as leis de Deus. Obedeça os 10 mandamentos".

Apesar disso, ele sabia que era difícil ignorar os pecados da carne. Quem sabe mudar de vida, fazendo amizade somente com o cabo de sua enxada e passando a freqüentar mais vezes os salões e as sacristias de igrejas? Ou, como toda aquela experiência já ia se esvaecendo, para ficar tão somente em sua memória, quem sabe, talvez, pudesse ousar experimentar o vinho que o vigário guardava na sacristia, pois, afinal, neste mundo, ninguém é santo e ele, assim, poderia praticar um pecado menos alarmante, menos mortal, sem que viesse a bulir na moral e nos bons costumes das cidades por onde passava.

Dentro de si apenas a certeza de que, um dia, a Santa lhe falara, e que poderia unir, numa só coisa, destino e livre-arbítrio, embora, muitas vezes, as mudanças só ocorressem através de verdadeiros milagres, para lhe dar certeza dos caminhos a seguir. Apesar de nutrir uma paixão por viver perigosamente e transgredir limites, para dominar todas as situações de perigo que suas aventuras lhe proporcionavam. A adrenalina era necessária à sua vida.