domingo, 22 de abril de 2012

A beleza, a fama e a felicidade!






Assistia ontem um clip do sempre lembrado Elvis Presley, em sua inesquecível interpretação "Bridge Over Troubled Water" música que eleva e enaltece o verdadeiro espírito humano. E, enquanto isso, pensava: ele foi bonito, famoso, rico, carismático. Foi imitado, invejado, respeitado, mas nem por isso deixou de ter as suas crises existenciais. Chegou a um status invejável e, no entanto, isso não o levou à sua maturidade, equilíbrio e sabedoria, capaz de lhe tornar uma pessoa completa.

Em vez disso, morreu, em 16 de agosto de 1977, como viveu: como uma pessoa complexa, de temperamento difícil, que, em alguns momentos, era alegre, simpática, falante e, em outros, carrancuda e infeliz. Era hipocondríaco, somatizando suas angústias através de problemas de cólon, o que lhe causava terríveis dores, além de problemas no fígado.

As sucessivas crises existenciais o levaram ao desgaste de seu organismo,chegando a contrair o mal cardíaco que lhe tirou a vida. Não foi constatada a existência de drogas em seu organismo, no momento em que antecedeu a sua morte. Embora tenha usado do artifício das drogas enquanto sua fama expandia-se pelo mundo. Assim como muitos de nós, nao soube procurar as verdadeiras causas, gravitando, reiteradas vezes, nas consequências.

Michael Jackson precisava de remédios à base de anestésicos para dormir e acabou morrendo por tal dependência. Em 1968, John Lennon e Yoko Ono foram presos em Londres (Inglaterra) por porte de drogas. Em 1982, a cantora Elis Regina foi encontrada morta em seu apartamento, depois de ter ingerido uma dose excessiva de álcool e cocaína. Ela tinha 36 anos.


Em 1998, Rafael Ilha, ex-integrante do grupo Polegar, foi preso depois de ter roubado um vale-transporte e 1 real de uma moça em São Paulo. O dinheiro seria utilizado para a compra de crack. Dois anos mais tarde, foi preso com dois papelotes de cocaína. Em setembro de 2007, foi detido mais uma vez, agora por perseguir um ex-interno de sua clínica de reabilitação para dependentes químicos. Rafael foi mais uma vez para a cadeia em 1º de julho de 2008, acusado de tentativa de sequestro.


Em 2006, o cantor George Michael foi encontrado deitado sobre o volante de seu carro no centro de Londres (Inglaterra). As autoridades o prenderam por suspeita de uso de drogas como maconha, tranquilizantes e analgésicos.


A cantora inglesa Amy Winehouse, encontrada morta em 23 de julho do ano passado, na Inglaterra, seguiu o mesmo roteiro trágico de outros ídolos mundiais da música pop, artistas que encerraram a carreira e a vida, a maioria por envolvimento com drogas, exatamente como Amy, antes de completarem 30 anos.


Morto em 1970, também em Londres e sob circunstâncias nebulosas, Hendrix conquistou fama na década de 1960 ao mostrar seu talento com a guitarra, sendo considerado por muitos como um dos maiores guitarristas da história.

Uma das grandes cantoras de rock da década de 1960, conhecida por sua voz rouca e singular, a cantora norte-americana Janis Joplin também faleceu antes de completar 30 anos. A artista, que passou pelo Brasil em 1970 com sua turnê, ano de sua morte, foi vítima de uma overdose de heroína.


Em 1969, o ex-Rolling Stones Brian Jones foi encontrado no fundo de sua piscina e declarado morto por afogamento. Ele tinha 27 anos. Dois anos depois, o compositor e cantor Jim Morrison, vocalista e líder da banda The Doors, também faleceu. Ele havia dado um tempo na banda para tentar se dedicar a outras atividades. Foi encontrado morto em um hotel de Paris, França.


Mais de duas décadas depois, também com 27 anos, Kurt Cobain, vocalista da banda de rock Nirvana, foi encontrado morto em sua casa, após dar um tiro de espingarda na cabeça. O cantor sofria de depressão e também fazia uso de drogas.


Essas e tantas outras histórias levam a crer que fama e felicidade nem sempre andam no mesmo compasso. Mesmo assim não falta quem procure a notoriedade na busca por superação de suas limitações humanas. Há quem acredite que, ao encotrar uma, também encontrará a outra. Acredite que, se outros o idolatrarem haverá compensação pelas frustrações e limitações de seu ego. Como, evidentemente, não há essa compensação, acabam por fazer um atalho pelo mundo das drogas, como os casos citados.


É claro que, em se tratando de fama e seus efeitos, não se pode generalizar. Recentemente, só para citar uma das muitas iniciativas de elevar a condição humana, surgiu uma campanha, promovida pelos responsáveis pelo Rock in Rio, denominada " Eu vou sem drogas ".

Entre músicos e artistas que particiam dessa campanha estão as presenças de Milton Nascimento, Sandra de Sá, Cláudia Leite, Rogério Faustino (Jota Quest), Toni Garrido (Cidade Negra), Rodrigo Santos (Barão Vermelho), Di Ferro (NX Zero) Herbert Viana (Paralamas do Sucesso) e atores como Marcos Frota, Paola Oliveira, Thiago Lacerda e Vanessa Lóes.

E quem ainda não chegou à fama? Aí dirigi o pensamento  aos "herois" do BBB e em tantos aventureiros que buscam, a qualquer preço, a fama e a notoriedade para aplacarem os seus egos. Fazem de tudo para conseguir a notoriedade, até mesmo esquecer o respeito a si, para chegar a uma condição onde gente como Elvis chegou de forma natural.E concluo que o problema não está fora do ser humano, mas em sua condição interior. Muitos querem a fama, poucos sabem o que fazer com ela.


O fato está ligado à formação dos indivíduos, pois, atualmente, os pais repassam às escolas a tarefa de educar e, essas, por sua vez, aplicam uma
grade curricular que inclui um amplo cardápio: português, matemática, fisica, quimica, história, etc. Mas não incluem, em seus currículos escolares, nada que esteja ligado ao auto-conhecimento.

Daí a existência de tantos indivíduos que se amam muito pouco. Não me refiro a um amor narcísico, mas uma autoestima capaz de levar indivíduos ao equilíbrio interior, maturidade e contentamento. São esses atributos capazes de estabelecer um equilíbrio no meio em que vivem, a começar pela relação a dois, onde muitos apoiam a sua existência: toda a relação bem sucedida depende do grau de maturidade. Ninguém dá o que não tem. Quando nos conhecemos melhor, adquirimos melhores condições de conhecer os outros.

Afinal, tudo começa em uma vida interior fecunda, que vai enchendo nossas vidas, vai derramando até espargir ao outro. Se não me sinto feliz, como posso fazer o outro feliz?

E aí me volto para o início de minhas digressões. Penso em Elvis Presley, que escolheu um lugar peculiar em sua casa para realizar suas reflexões: o banheiro, onde montou um aparato, uma verdadeira " sala de estar ", no local mais íntimo, onde anexou às primeiras necessidades mais uma: buscar, sem encontrar, a alegria de viver.

 Ao encerrar essas reflexões, quero lembrar de quem conheceu a notoriedade de perto e soube sublimar seus limites, John Lennon que disse:

..."um artista nunca pode ser absolutamente ele mesmo diante do público, por justamente estar em público. Pelo menos ele precisa sempre de ter alguma forma de defesa...não se drogue ( e eu acrescento, não se detenha em paliativos),  por não ser capaz de suportar a própria dor. Eu estive em todos os lugares e só me encontrei em mim mesmo". E finaliza: " quando eu tinha 5 anos, minha mãe sempre me disse que a felicidade era a chave para a vida. Quando eu fui para a escola, me perguntaram o que eu queria ser quando crescesse. Eu escrevi “feliz”. Eles me disseram que eu não entendi a pergunta, e eu lhes disse que eles não entendiam a vida". 



quinta-feira, 5 de abril de 2012

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO



Essa data lembra a via sacra de Cristo, que representa, para os Católicos, o sacrifício, tanto em relação aos caminhos por que passa um ser humano quanto por sua doação ao próximo.

Nas palavras de Jesus: “Aquele que oferece sacrifício de louvor me glorificará”.

Para marcar essa data santa, fiéis da paróquia mais próxima a minha casa saíram, ontem à noite, em procissão, repetindo, simbolicamente, os passos de Cristo.

Em pontos estratégicos, espalhados pelo bairro, moradores montaram pequenos altares, em frente às suas casas, recebendo os féis, enquanto o padre vigário retratava o simbolismo de cada passagem. Uma verdadeira multidão acompanhou a cerimônia.

Essa multidão também passou por minha residência e seguiu em frente, cantando seus louvores, orando, coletivamente, e também praticando o silêncio em sua em marcha, para simbolizar vida interior consagrada e fé na dimensão do amor crístico.  A tudo assisti do primeiro andar de minha casa.

E pensei comigo: quantos fiéis! Será que a fé está ressurgindo nos corações dos homens? Acho que não, pois ela sempre existiu, embora o mal sempre fosse mais ruidoso, principalmente pelos tempos difíceis, marcados pela violência e pela falta de respeito pelo que pertence ao alheio.

Nenhuma data consegue, ao longo do tempo, encontrar acolhida em tantas almas, se não for ela mesma reconhecida como algo presente na vida de qualquer ser humano.

O bombeiro que possuiu, em sua profissão, o inerente sacrifício, de enfrentar o fogo, as inundações, as tragédias para salvar vidas humanas.

O médico ou enfermeiro que sacrificam o seu horário de sono e até mesmo sua vida pessoal para cuidar dos enfermos.

O funcionário de zoológico que enfrenta o perigo das serpentes para tirar o soro que salvará vidas.

O nadador-salvador, também identificado pelo sugestivo nome de “salva-vidas”, que tem, em seu escopo, evitar o afogamento de pessoas e assim preservar a vida de quem se vê envolvido em uma situação crítica no mar, em rios ou piscinas.

O arbitro de futebol que entra em campo disposto a ouvir apupos para garantir um espetáculo esportivo.

O jornalista que muitas vezes trabalha quando os outros descansam contribuindo para a formação da opinião pública.

Enfim, em todas as profissões e em todas as formas de prestação de serviços há alguma forma de sacrifício. E em toda a forma de sacrifício há uma forma de amor.

Nascemos e nos criamos testemunhando o sacrifício de nossos pais para nos tornar adultos consequentes, responsáveis e íntegros.

Somente quem passou pelo sacrifício de doação pode entender o que isso representa. E somente aqueles que empreenderam essa forma de renuncia a si, até o máximo de suas forças, podem captar a grandiosidade da doação crística em favor da humanidade.

Esta é a grande dimensão do Amor, Oferenda e Sacrifício.

O que aconteceu há mais de dois milênios pode nos parecer longínquo e até mesmo etéreo para muitos. Pois, afinal, está ligado ao que retrata a Bíblia, cujas provas cabais são insuficientes, requerendo um ato de fé mais do que alinhamento dos fatos comprovados.

Mas o fato é que as palavras atribuídas a Paulo de Tarso são tão válidas para aquele tempo quanto para agora: “Combate e dor é a via do homem sobre a Terra”.

A dor e o sacrifício estão presentes na vida do homem, mesmo do homem contemporâneo, que já alcançou notável desenvolvimento tecnológico em relação aos tempos de Cristo. Não se pode fugir dessas duas condições inerentes à vida humana.

O que as religiões apregoam, de uma maneira geral, é que, para vencer a dor, seja ela compulsória ou em oferenda a outrem, devemos submergir nela. O que todo esse simbolismo, retratado na sexta-feira santa nos mostra é que só se pode vencer a dor através do conhecimento próprio.

Pelo sacrifício, a dor ou as mais cruéis privações, as enfermidades mais longas, as desorientações mais intensas e mais internas transformam-se em suave néctar, através de um processo depurativo.

 
Cada alma tem a sua hora de acordar. Enquanto ela não chega, seguimos descrentes, agarrados às nossas necessidades imediatas. Quando encontra o sofrimento, a alma se transforma. Esse é o símbolo da Ressurreição de Cristo, depois do padecimento na Cruz.

Não só na Igreja Católica mas nos ritos ou mantras adotados pelos diferentes caminhos religiosos, a oração vocal ou o silêncio exterior representam o estímulo para que o devoto tenha forças para suportar as dores da vida. O sacrifício possui diversas formas, está relacionado a diversas causas e está associado a diferentes momentos.

É por isso que se diz que o sacrifício pertence aos grandes mistérios da vida, porque suas raízes estão ligadas à eternidade. Conhecê-lo e entendê-lo significa alcançar a própria Eternidade.

domingo, 1 de abril de 2012

Regime de Exceção? Nunca mais!


Primeiro vieram os tanques. Muitos. As lagartas escorregavam no piso liso dos paralelepípedos, assobiando, gritando, enquanto os motores potentes gemiam para subir aquela ladeira íngreme. Um a um foram passando, enquanto os moradores se escondiam em suas casas, vendo, inesperadamente, quebradas as suas rotinas por aquela cena de guerra, que invadia a monotonia de suas vidas.


Depois vieram os soldados, marchando, com suas botas lustrosas, seguindo em passos largos pela ladeira acima. Em ritmo acelerado e fazendo a rua assumir tons de verde oliva, empunhavam fuzis com baionetas fincadas.  Seus superiores, acompanhando a marcha acelerada, ordenavam em voz alta aos moradores e transeuntes:


- Vão para suas casas. Ninguém sai. Recolham-se!


A ordem era dada com aquele tom militar de obediência a ser seguida, sem direito a muitas explicações. E, em poucos instantes, brotando, ninguém sabe de onde, os militares tinham ocupado a rua General João Telles, bairro Independência, em Porto Alegre.


Atônitos, custávamos acreditar no que nossos olhos evidenciavam: o exército estava nas ruas. Meu avô nem sequer tirara o seu pijama, pois preferira, antes, levantar, preparar um mate e, quando surpreendido, foi olhar pela fresta da janela para entender a razão daquele barulho ensurdecedor.


Tudo isso eu presenciava pouco antes de completar meus quinze anos. Ainda era imaturo para relacionar aquela invasão aos últimos acontecimentos, ligados à rádio Legalidade, arauto de um movimento de esquerda, que, nos últimos dias, anunciava a chegada de novos tempos ao povo brasileiro. Era revolução de cá e de lá.


Iniciava ali, diante de meus olhos, a Revolução de 1964.


Depois daquele desfile militar, nada festivo em minha rua, tudo voltou ao silêncio e ao que parecia normalidade. Por isso o povo foi, aos poucos, saindo de suas casas, já na manhã seguinte. Naquele tempo ainda não havia supermercados. Só vendinhas, onde nossa família mantinha cadernetas para registrar o fiado tomado, programado para ser saldado ao final do mês. Foi uma correria só. Nós e os vizinhos invadimos aqueles estabelecimentos para comprar e estocar gêneros, pois pensávamos  na iminência de ficarmos sitiados, por vários dias, correndo o risco de falta de alimentos, bebidas e outros artigos de primeira necessidade.


Cada um carregava o que podia em seus braços, enquanto as portas desses estabelecimentos permaneciam semicerradas à espera de uma ordem para fechar. Ao cair da noite, velas foram acesas, em casas e ruas, enquanto poucas pessoas passavam apressadamente pelas calçadas da rua onde morava. Havia um toque de recolher. De fato, durante dois ou três dias as vendinhas ficaram fechadas e depois reabertas normalmente. 


Procurávamos ignorar a presença militar em nossas vidas, fingindo retomar nossas rotinas. Mas os efeitos da revolução logo chegaram até nós. Lembro-me que, em uma manhã ensolarada, dirigia-me à escola Rui Barbosa, localizada ao longo da Avenida Oswaldo Aranha, em área limítrofe à cidade universitária da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  


Frequentava o curso científico, em instalações que hoje não existem mais, demolidas para dar lugar à construção de um viaduto para ligar aquele bairro ao Centro da Capital. Tudo isso ainda está presente em minha memória. Quando cheguei às cercanias daquela Escola, notei um grande número de estudantes universitários que se aglomeravam pelas áreas adjacentes à Escola de Arquitetura, esparramando-se pelas avenidas e parques fronteiriços ao complexo universitário.


Estavam agitados, gritando palavras de ordem, agitando bandeiras, bloqueando o fluxo de veículos, incitando os transeuntes a se unirem ao movimento. Um pelotão de soldados começou a marchar em sentido contrário, estacionando há poucos metros de distância do grupo que protestava. Vi aquela cena congelada por mais de hora. Os militares parados só observando. Os manifestantes ruidosamente desafiando seus opositores a voltarem para onde vieram, conclamando-os a os deixarem em paz.


Fui me aproximando, aos poucos, do portão principal, permanecendo fora dos muros escolares, para ver no que ia dar toda aquela agitação. O comandante do pelotão pegara o megafone e gritara:


- Voltem para suas casas, queremos ordem. Dispersem-se e acabem com este movimento. Mas os insurgidos ficaram determinados em seus postos.


Depois de algum tempo um batalhão da cavalaria e outro de choque chegaram ao local. Mas tudo permanecia na mesma. Então o comandante bradou: “Se em dez minutos, vocês não se dissolverem, vamos agir, prendendo os desordeiros, para restaurar a ordem.


Passados cinco minutos, voltou a fixar um prazo remanescente.  


Mas os estudantes não se intimidaram e continuaram a gritar palavras de ordem. Alguns se deitaram a frente dos cavalos, sabendo que os animais não pisoteiam seres humanos estendidos no chão. Resistiam bravamente à presença militar, unindo-se em prol de um objetivo comum, embora pudessem estar separados por ideologias e crenças de como poderiam enfrentar seus oponentes. Creio que, naquelas fileiras, muitos deles poderiam estar pensando em erguer bandeiras cujos efeitos também poderiam derivar-se em novas formas de regime de exceção. Mas, certamente, naquela hora, todos eles queriam os militares de volta aos quartéis. 


Esgotado o prazo, o comandante deu a ordem, enquanto os militares partiam para cima dos manifestantes.  Enquanto eu adentrava pelos muros de minha escola, para encontrar abrigo, fui acompanhado por inúmeros estudantes universitários que, em desabalada correria, conseguiram encontrar abrigo seguro. E, de lá, enxerguei muitos feridos, que sangravam e gemiam suplicando por socorro.  Muitos foram presos, deles não tendo mais notícias.


Daí para frente, toda e qualquer iniciativa, naquelas imediações, que assumia contornos do que acontecera aquele dia passou a ser reprimida com veemência . Não era necessária a aglutinação de grandes multidões. Bastava um pequeno grupo se reunir que o remédio era dado na mesma medida. Até que ninguém mais pode formar aglomeração de mais de três indivíduos, sob pena de serem detidos. 


E assim a Revolução seguiu o seu curso. Entre os desaparecidos estavam colegas de classe que nunca mais vi retornaram aos bancos escolares, ignorando o paradeiro que tomaram, após aqueles incidentes que sacudiram a vida nacional.


Hoje tudo isso permanece apenas na memória dos mais velhos, que deveriam ensinar aos mais novos o valor da liberdade, da responsabilidade e da paz, como verdadeiros alicerces para o desenvolvimento humano. Regime de exceção é regime de exceção, seja de que bandeira for.


Pode haver um traço de totalitarismo no interior de cada um de nós. Em todas as nossas instituições ainda há ranços de autocracia. Em nossas escolas, nos sindicatos, nas associações, e, principalmente, nas empresas, cujas estruturas rígidas e verticalizadas favorecem o poder cerceador e excludente, que tornam o exercício de democracia uma mera questão de retórica. Até mesmo nas estruturas familiares esse verticalismo ainda está presente. Nos dizemos sociedades modernas, avançadas, tecnificadas. Mas, sobre isso, temos muito a aprender com nossos irmãos índios que sabem preservar a sua individualidade porém, de livre e espontânea escolha subordinam-se à vontade coletiva paritária. 




Deixemos esse traço autocrático dormindo em nós. Muitas imputam às ideologias e à luta de classes como fatores da discórdia. Pessoalmente acredito que a disposição ao totalitarismo é inerente ao próprio homem e está inserido em sua condição humana. Está ligado à intransigência, o controle absoluto, a incapacidade de conviver com as diferenças, a busca por hegemonia, a regulação, a ausência de limites no uso da autoridade. Que a volta de regimes autoritários não passe deste primeiro de abril. E fiquem na memória de tantos que a viveram. 


A história humana permeia a intolerância, em relação aos adeptos do pacifismo e da democracia verdadeiramente participativa. Martin Luther King, Gandhi, John Lennon e tantos outros tiveram suas vozes caladas por sectários, por simplesmente preconizarem um mundo melhor, uma visão humanista e ambientalista capaz de levar a humanidade a transcender a um novo patamar.  Que as memórias vivencias permitam que passemos às novas gerações a esperança de um novo amanhã e a construção de seres mais preparados a viver a tolerância, a diversidade e a comunhão de homens dispostos a transformar utopias em verdadeiras condições de ser e de viver.