domingo, 31 de março de 2013

Habemus Papam

Com a renúncia do Papa Bento XVI, a Igreja Católica não teve outro caminho, senão seguir, compulsoriamente, em busca de identificação de um novo pontífice, capaz de liderar o seu rebanho ao longo deste quase início do século XXI. 

Muito se tem falado sobre a escolha, recaída sobre Jorge Mario Bertoglio, bem como de sua impactante ascensão ao papado, escolhendo um nome simples, o de Francisco. Informação sobre o assunto não falta. Por isso não tenho a pretensão de sobressair-me além do que tem sido tratado pela mídia mundial, mas apenas acrescentar alguma contribuição ao pouco que ainda permanece subjacente à discussão.

Tanto a renúncia, quanto a nova escolha, não se restringem apenas à troca de comando numa Igreja, mas vai muito além, já que se trata de um caminho religioso que reúne um contingente que se aproxima, a passos largos, de 1 bilhão e 500 mil seguidores, centenas de milhares de famílias, impactando fortemente no meio onde atua. São fiéis que induzem padrões e atitudes que se refletem na própria caminhada da humanidade, em pleno século XXI. 

É natural à condição humana de, consumado os fatos, querer tocar em frente, superando o que estanca no tempo e abrindo caminho ao devenir. Por isso, não é de se surpreender que Bento XVI passe a ser considerado apenas um Papo benemérito, recolhido em sua clausura, fazendo orações e, de vez em quando, disposto a se avistar com o atual mandatário, Francisco. 

São poucos os que se detém em examinar o significado do gesto assumido por Bento XVI. Afinal, a sabedoria popular diz que "Rei morto, rei posto". Bola para frente. E eu me pergunto: o que teria significado a renúncia de Bento XVI à trajetória da humanidade, já que a Igreja Católica ocupa lugar de destaque nessa caminhada? 

Entendo que renunciar a alguma coisa não significa largar o que lhe incomoda, se ver livre, abandonar o que não lhe serve. Portanto, não creio tenha existido a intenção de Bento XVI abandonar o que lhe estava incomodando para simplesmente retirar-se e passar a fazer o que lhe é mais prazeroso. Ao contrário. 

A Lei da Renúncia é uma importante ferramenta para unificação dos valores humanos e divinos. Nesse sentido, creio que Renúncia não é um estado de mudança que envolve perda, mas, sim, ganho. Não é algo negativo. A Renúncia representa a possibilidade de abrir algo novo em nossa vida. De deixar de apagar-se à materialidade, de desprender-se de tudo que estamos guardando como tesouros, mas que possuem um caráter transitório.

A Renúncia permanente nos permite manter a presença divina em nós. É o gradativo abandono das leis humanas. É o ato de expansão da consciência, através da contextualização de nossa vida ao grande mistério divino, que está subjacente em nossas vidas. A verdadeira renúncia nunca se faz se não houver, junto, um ato de amor. Quanto mais universal é este amor, mais eficaz se torna a Renúncia.

Tenho me perguntado se ser Joseph Alois Ratzinger significa a mesma coisa que ser Bento XVI ou se ser Jorge Mario Bertoglio significa a mesma coisa que ser o Papa Francisco, apenas com a nuance de mudança de nome? Isso seria simplesmente humanizar a função papal e lhe conferir apenas a condição de chefe de Estado, que ele é, mas dentro de uma condição maior de espiritualidade.  

Creio que, ao ser convertido Papa, o ser humano que lhe dá corpo passa a receber uma enorme energia espiritual, que lhe é dada por acréscimo. Recebe uma grande força mística, a que os católicos se referem como a força do Espírito Santo, que transcende em muito a energia humana presente em cada ser mortal.

Essa força, que passa a lhe ser emprestada, lhe altera o seu corpo físico, pela transformação de moléculas constituintes, lhe dando força e tenacidade, assim como seu corpo energético e, principalmente, maior percepção e  consciência, que se eleva e transcende os limites da tão somente presença passageira da dimensão humana. 

Ele passa, enquanto estiver nessa condição, a estar ungido por energias mais sutis de origem divina. Essa força não é do ser humano, que está ali, mas, sim, lhe é alimentado, através de energias de caráter mais sutil. Não lhe pertence e não lhe são inerentes. Mas lhe asseguram, enquanto usá-las, a uma percepção mais sutil do processo de devenir ou, como queiram, processo de evolução contínua, pois é um líder de um contingente de almas em processo de desenvolvimento espiritual. O Homem que habita aquele corpo não é mais o mesmo de antes. 

Nesse sentido, quando as forças se retiram, como foi o caso de Bento XVI, a dor que sente passa a ser inexorável. Creio que o Papa renunciante sabia disso. Por isso mesmo optou por uma vida monástica até fazer a sua transmutação à sua condição anterior. Mas sua dor não é em vão, já que ela será integralmente revertida em favor da humanidade, pois tais energias a ela se destinam. 

Por certo que Bento XVI se torna Josef Ratizinger e por certo que, como homem, não é um ser perfeito, mas em aperfeiçoamento. Em sua visão de pontífice, creio eu, deve ter percebido a necessidade de empreender essa caminhada em função dos rumos que a sua Igreja vinha tomando. 

O período mais crítico dessa transformação foi entre aquele momento em que a guarda do Vaticano se retirou e, simbolicamente, fechou as portas da residência papal, enquanto Ratizinger pegava o helicóptero para seguir viagem à sua nova morada, até a aparição de Francisco na sacada para saudar os fiéis na praça de São Pedro.


Acéfalas, as forças sutis ficaram difusas, perdendo a sua condição de fazer frente às forças mais densas. Isso trouxe consigo muito sofrimento aos mais sensitivos e perceptivos. Um grande perigo à humanidade. Mas, felizmente, a enorme corrente de orações que se levantou possibilitou um reequilíbrio das forças. Creio que esse também deve ter sido o ponto mais alto da dor sentida pelo Pontífice renunciante. 

Decorridos os prazos de proclames, o colegiado papal se reuniu e escolheu um nome capaz de provocar verdadeiras mudanças, a que a Igreja tanto necessita. Não mudanças a serem efetivas pela força da caneta, nem pelo poder da força, mas pelo exemplo, assim como fez o seu principal mentor e fundador do movimento cristão. O novo Papa escolheu promover as reformas necessárias através de seus próprios atos, convertendo-se ele mesmo em sujeito da transformação. 

Dura missão, num mundo onde prevalece o imediatismo, o materialismo, o consumismo e, sobretudo, o individualismo, despido de quaisquer intenções transformadoras. Num mundo onde os seres humanos não estão dispostos a conviver em comunidade, nem submeter-se a entregar-se à grande manifestação do coletivo. Num mundo em que se espera não mais do que uma revolução meramente conservadora, bonita nos discursos, porém pobre de intenções de renúncia e elevação pelo amor ao próximo. Uma busca onde a égide seja mais dogmatizar em lugar de dogmatizar-se.

Dificilmente saberemos as intenções de cada membro do Colégio Cardialístico, ao apontar um sul-americano para conduzir católicos do mundo inteiro.  Mas certamente a tarefa do escolhido deverá ser hercúlea: transformar, convertendo-se ele mesmo em exemplo inspirador. Ou como disse em seu pronunciamento: " vós sabeis que o dever do conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram quase ao fim do mundo para busca-lo. Eis-me aqui".